HOSPÍ(CIO)TAL!
Só o título desta peça teatral, se não fosse eu o autor, teria me chamado a atenção! Claro que, imediatamente, perceberia que o título nos remete a uma aglutinação de duas palavras: HOSPÍCIO + HOSPITAL! No mais, ele nada me diria sobre o enredo e me deixaria muito curioso: qual a relação, entre inúmeras opções, o autor poderia ter feito em uma comédia entre Hospício e Hospital?
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Teatro, naquele momento histórico do Brasil, era arena política. Ainda vigorava o AI5 e a intelectualidade brasileira acreditava que a dramaturgia deveria ser usada para conscientizar a população a lutar por uma sociedade democrática e de pleno direito(?). Eu também pensava assim(?)! Mas estava embevecido pelas ideias de meus mestres acima e acreditava que deveria escrever esses textos - que muitos chamariam hoje de TEATRO BESTEIROL (?)! - por estar indignado com o esvaziamento das palavras e das relações humanas...
Tempos atrás, fiquei, matutando sobre esse assunto por toda uma tarde: o que, realmente, me levou a escrever esse texto? Fora somente a questão do esvaziamento das palavras? Seria apenas um capricho, uma leviandade do humor boçal e cínico de meus 17 anos?
De repente, voltei, como por mágica, ao ano de 1978! Vi-me transitando confortavelmente entre o meio universitário e o meio teatral, em uma alucinada explosão de criatividade ao final da ditadura Geisel! Pude ouvir, ainda, os rumores, ao pé-de-ouvido, de que o AI 5 seria extinto...!
Senti, outra vez, a euforia de estar vivendo o anseio idealista de liberdade em todos os setores! Principalmente o da expressão - Pai, afaste de mim esse cálice, como diria Chico Buarque na caixa de som do aparelho estereofônico próximo a mim!... Novamente pude experimentar o cansaço e abatimento, por causa de minhas peças anteriores, de ser chamado à sede da Policia Federal.
Voltei àquela tarde de 1978!
Por causa de Hospí(cio)tal, deveria dar, outra vez, certas explicações sobre meus textos a alguns censores, que se faziam de tolos ou realmente o eram por osmose do departamento em que atuavam...! Vi-me acompanhado de um advogado e de minha mãe, transpirando em desassossego a cada resposta que dava às perguntas dos federais! Revivi o velho horror do arrepio que percorria meu corpo nessas horas, quando eles desvirtuavam o que eu dizia. Outra vez estavam aqueles agentes tentando me fazer crer que, como jovem de boa e distinta família, fora contaminado por pessoas de péssima índole e por isso escrevia textos tão capciosos... Capciosos! É demais...!
Por mais que negasse que nenhum diretor teatral ou professor universitário me manipulasse, pude ouvi-los insistirem em dizer que eu mentia, que haviam feito uma lavagem cerebral em mim, pois os comunistas faziam isso mesmo com jovens aliciados para o movimento criminoso deles...
E senti outra vez aquela sensação de impotência... Afinal, era inacreditável eu ter que ouvir essas bobagens sem ao menos poder rir! Pois, é... Se risse estaria em má situação e nem o coronel amigo de meu pai seria capaz de livrar-me dela...!
E me vi sendo chamado outra e outra vez por eles! E era sempre a mesma ladainha...!
¬ São esses comunistas que corrompem nossos jovens de bem! Já está provado! Na URSS eles utilizam a prática de controle da mente e muitos agentes preparados por esses subversivos se infiltram entre nós...
Pareceu-me, nessa situação surreal, que entrava num hospício e um bando de lunáticos tentava agora convencer-me de que eu era o que não era! Só faltavam me dizer que eu havia sido abduzido por Ets comunistas, pois, para tudo que eu afirmava ser ou não ser – Hi, influência de Hamlet! –, eles tinham uma teoria... Tal qual o Professor W. de Estocolmo, personagem da peça... Acordei desse meu transe meia-hora depois! Foi então que me veio o estalo:
Dra Jatobá e sua fiel assistente, simbolizavam aqueles censores, enquanto eu, personificava o pobre e indefeso Grivaldo Grisonaldo, quase convencido a acreditar que todos os impropérios que me diziam eram verdadeiros! Como meu personagem...
Desse absurdo artaudiano, não tenho mais dúvidas, nasceu Hospí(cio)tal!
Na realidade, – agora sei! –, escrevi um texto de humor político para criticar a época das trevas em que vivíamos no campo cultural e que, espertamente, passou ileso aos olhos da censura, quando da montagem do espetáculo. Por sinal, um texto que hoje me enche de orgulho por tê-lo escrito, visto que, atualmente, essa peça aproxima a minha linguagem, de 33 anos atrás, com a da garotada – que se diverte muito com ele! – e que, nas entrelinhas, – acredito! –, por si só, será eterno!