domingo, 24 de julho de 2011

CAIÇARA: trecho de meu romance, de 1992

II

Os jornais de Rio Branco deram destaque à história que Gustavo lhes contou. O rapaz fez um relato detalhado das ameaças que sofreram por parte do Coronel Felipe de Sandoval. Comentou, também, a surra que levara, mas, não podendo provar de quem partiu a agressão, preferiu se calar quanto à autoria. Mesmo tendo certeza do nome do mandante, seu censo ético não lhe permitiria acusar quem quer que fosse sem elementos incontestes da culpabilidade do suspeito.
¬ Meu Deus, meu lindo! – O velho Paulo se desesperava – Por que deu tal entrevista?
¬ Para me resguardar, tio. O coronel não se atreverá a fazer ameaças novamente, depois de o caso ter ganhado repercussão na capital. Lauro Fontes será pressionado a investigar e concluir o inquérito para apurar os culpados pela agressão.
¬ Meu lindo! Você desconhece os poderes do coronel. Fontes, jamais se atreverá a acusá-lo como mandante e muito menos entregará à justiça os culpados. É capaz de fazer dois inocentes pagarem pelo fato. Dois inocentes, digo eu...
Paulo de Tarso estava certo em suas aflições...
Acuado por ordem da corregedoria do Estado, em dois dias, Lauro Fontes apresentou a Justiça o nome de dois colonos analfabetos que, regiamente pagos, alegaram terem surrado o jovem Gustavo por ele ter sido inconveniente com a mulher de um deles.
A imprensa da capital, ávida por manchetes, não tardou em entrevistar a referida senhora que, com a maior cara de paisagem, confirmou as declarações.
Diante desses acontecimentos e temendo prejudicar sua imagem como advogado atuante na causa de Tiago, Gustavo retirou a queixa e deu o caso por encerrado.
Tarso, por sua vez, para agradar o coronel após o incidente e proteger o dileto sobrinho, enviou-lhe como presente as jóias de Hortência de Sandoval.
¬ Como foram parar nas mãos do mascate? – Filipe procurava manter a calma, que lhe era peculiar.
¬ Não sei, pai!... - Luis tentava buscar uma explicação para o fato. ¬ Tinha certeza que estavam com Catarina.
¬ E com Branca! - justificou Carlos.
¬ Eu sei! – Felipe meneou a cabeça desaprovando a postura daqueles dois filhos “acéfalos” que pusera no mundo. ¬ Eu dei as jóias a elas de presente! Gostaria de saber por que as venderam para Tarso! A mesada que estão lhes dando não é suficiente?
¬ Mais do que suficiente para suas necessidades, pelo menos, de minha parte. Rosana está bem servida com a renda que lhe destino. - arrematou Laércio.
¬ Com certeza! - acenou Felipe com a cabeça. ¬ As jóias que dei a Rosana não estão incluídas neste lote, só as de Catarina e Branca.
¬ Perguntarei a ela agora, meu pai! Catarina irá me responder.
¬ Já deveria saber, Luiz. Não tem controle sobre a própria esposa? Que diabos de homens são vocês? Não sabem nem da missa a metade sobre as próprias mulheres? – Felipe não alterou a voz.
Estava irritado, mas não demonstrava...
¬ Tragam-me hoje respostas. Estarei cavalgando no campo...!
Luiz obedeceu ao pai e, minutos depois, interrogou a esposa.
¬ Vendi essas jóias sem remorsos. São grosseiras! - Catarina estava possessa.
¬ Como teve coragem? Eram jóias de minha mãe. Papai as presenteou.
¬ Tiveram mais utilidades sendo vendidas do que guardadas no cofre.
¬ O que fez com o dinheiro?
¬ Viajei para visitar mamãe e fiz shopping.
¬ Mas o que lhes dei para viagem, mais os cartões de crédito que levou não foram o suficiente?
¬ Não, Luiz! Nunca é suficiente.
¬ Porque você gasta demais! E sempre  com coisas sem importância...
¬ Sem importância? Então ver minha mãe em Los Angeles não tem importância? Vestir-me bem, não tem importância? E não faça essa cara de paspalho, Luis, pois isso me irrita profundamente.
¬ Como direi a papai que você é uma perdulária...? – Luis estava apreensivo...
¬ Quer que eu diga?
¬ Cale-se, Catarina! – o jovem marido procurou concatenar seus pensamentos... ¬ Direi que o fez para ajudar nas obras assistenciais da igreja. Darei melhor contribuição a Padre Honório por sua conta. E você confirma.
¬ É um fraco, Luis. - lamentou-se a esposa. ¬ Casei-me com um fraco! Um homem que tem medo do pai!
¬ Não é medo! É respeito! Ele a considera como uma filha. O coronel, meu pai, se desvencilhou das jóias de mamãe, apenas para mimá-la. Fez isso, apesar do mal estar que lhe causou separar-se delas...
¬ Conheço a história! A grande Hortência de Sandoval ainda é a paixão do velho coronel e blá, blá, blá, blá!
¬ Sim e ele faz questão de preservar sua memória. Entendo o quanto foi difícil para ele dar a você as jóias de mamãe. E...
¬ Chega, Luiz! Não quero mais ouvir essa historia de maricas, filhinho de mamãe. Faça o seguinte: diga ao coronel o que quiser e eu confirmo, mas, droga, não me apoquente mais.
Luis não discutiu! Catarina era extremamente desagradável quando ficava mal humorada e ele bem o sabia. Da última vez que se estranharam, ela lhe fez um talho nas mãos em meio a um acesso de cólera...
Carlos, por sua vez, consultou a esposa Branca. Esta, apreensiva, lhe disse que dera as jóias à Catarina.
¬ Ela me pediu uma ajuda financeira. E você sabe o quanto eu gosto de minha prima e cunhada... – afirmou com pieguice.
A jovem e imatura Branca sabia que, ao jogar sobre a prima esta responsabilidade, tranqüilizava o marido e poria um fim ao caso. Carlos jamais seria capaz de dirigir qualquer insulto à cunhada ou cobrar-lhe explicações sobre o que quer que fosse... E acertou! O caçula dos Sandoval limitou-se a pedir socorro para Luiz e relatar-lhe o que Branca lhe dissera...
¬ Sim! Catarina me contou o fato. – mentiu. ¬ Ela vendeu as jóias para fazer um grande donativo à igreja.
¬ Bem, então podemos contar a papai, regalou-se Carlos.
¬ Podemos! - concluiu Luis
Desta maneira, relataram a Felipe os motivos que levaram as esposas a venderem o legado de Hortência ao comerciante Paulo de Tarso.
¬ Boas almas, essas minhas noras! – Felipe sorriu com complacência. ¬ Mas, da próxima vez, digam a elas que não cometam tal ato. Entreguem-lhes as jóias e damos o fato por encerrado.
Os filhos corresponderam às expectativas do coronel, e, na mesma noite, devolveram os adornos preciosos às respectivas esposas...
Branca exultou com a solução do caso! Catarina soube convencer o marido!
Ninguém daquela casa jamais desconfiaria que, na realidade, as moças venderam as jóias para que os amantes pudessem entrar em sociedade com os respectivos maridos na exploração das terras dos colonos.
Mariana, atenta a todo e qualquer movimento da casa, após o episódio, já relatava detalhes a Roberto:
¬ Foi tudo o que ouvi, Roberto! Ela disse que se desfizeram das jóias para ajudar a igreja.
¬ Então as vagabundas se saíram bem desta vez? - O gigante explodiu e espumou de raiva. Para ele, estava mais do que óbvio que Catarina mentira da maneira mais descarada possível... ¬ Luis é um tolo!
¬ Tolo ou não, foi isso que transmitiu ao pai e disse que assim aconteceu.
¬ Está claro que não! Catarina não precisava vender nada para obter o dinheiro desejado! Essa vagabunda pede e consegue qualquer coisa do bastardo do marido. Ela usou esse dinheiro para outros fins. E é isso que quero que descubra, Mariana. Por isso a plantei lá. – disse, enquanto acariciava os seios desnudos da moça, com a volúpia de um sedutor...
¬ Oh, Roberto, o que não faço por você? - a moça se contorceu de prazer.
¬ Tem muito trabalho ainda, menina! Fique de olho em Catarina e em todos os seus movimentos.
Mas não era apenas Roberto, naquele momento, que se inquietara com a história...
Filipe não engolira facilmente a desculpa. Resolveu descobrir por conta. E, por intermédio de Lauro Fontes, interrogou o velho Paulo de Tarso:
¬ As jóias foram penhoradas por Catarina de Sandoval, doutor Lauro. Tenho aqui os recibos assinados por ela! - apressou-se o comerciante em mostrar os documentos.
¬ Soube pra quê? - Lauro mantinha uma expressão feroz. Era fiel ao coronel que lhe permitira ocupar o cargo de delegado da cidade...
¬ Não tenho a mínima noção! Não faz parte de meus negócios fazer perguntas aos clientes. Não me cabia saber com que propósitos a senhora Catarina viera me oferecer àquelas relíquias familiares.
Lauro transmitiu ao coronel as descobertas. Este, por sua vez, interrogara discretamente o Padre Honório que confirmou ter recebido uma substancial doação para suas obras assistenciais. Luis já se encarregara de fazê-la em nome de Catarina...!