sábado, 23 de julho de 2011

A ESCOLA: 30 anos

Ultimamente tenho ouvido ou lido as mesmas perguntas :

Quando vão reeditar a obra de Miguel M. Abrahão?
Minha resposta é sempre a mesma: já começaram!
E começaram bem por sinal.
Começaram por o A Escola: onde está um, estão todos, pela Editora Vieira e Lent.

Este romance foi concebido por mim há exatamente 30 anos, mas não como narrativa.
A Escola nasceu como uma peça teatral!
Tinha eu na época 20 anos e já era pai e professor de História. Nesse inicio de anos 80, montara um centro de estudos e técnicas teatrais na universidade onde lecionava. Estava aberto tanto para professores, como para alunos. Por sinal, ele ainda existe e em pleno funcionamento, até onde eu saiba.
Entre um trabalho experimental e outro, pediram-me um texto onde pudesse reunir, desta vez, uma maioria de atores homens, visto que a montagem anterior fora do meu As Comadres, que, como o nome já diz, reunia um elenco feminino imenso. Eram anos ainda de chumbo e eu havia tido problemas com a censura militar com meus textos anteriores. Mesmo assim, uma tímida abertura política começava a desabrochar naquele ano de 1981. Era uma pequena fresta e, por ela, muitos colegas meus, historiadores e escritores procuravam respirar.
Alguns, ainda imbuídos do espírito de contestação, passaram a distorcer os fundamentos da ciência histórica e, ao invés de estimular o senso crítico dos alunos, resolveram radicalizar, manipulando-os de acordo com seus próprios conceitos, identidade e ideologia político/partidária.
Aquilo me incomodava profundamente!
Sentia que saltávamos, com as inserções constantes de certos colegas, de uma ditadura de direita na área da educação para uma ditadura de esquerda.
E haja frases feitas: Nossos alunos representam a burguesia decadente! Nós temos que mudar essa mentalidade  de nossos alunos e engajá-los à nossa causa! É a nossa missão, nosso sacerdócio!
Temos que mudar? Engajá-los à nossa causa?  – Foram essas expressões que mais me aborreceram.
Temos? O que somos? Iluminados? – pensava.
Então me veio a ideia: um professor burguês, lecionando em uma escola tradicional para filhos da burguesia. Assim imaginei Bolívar Bueno, o protagonista: um manipulador inconsequente, que se achava capaz de transmitir a luz – a sua luz! – aos pobres meninos que viviam num ambiente de consciência mágica.
E, como sempre, procurando num ator conhecido a figura física do personagem, passei a trabalhá-lo para que, no teatro profissional, – minhas peças eram encenadas por companhias profissionais na época, também! – pudesse ser vivido nada mais, nada menos, do que pelo ator Daniel Filho. Ainda hoje, o imagino como um excelente Bolívar Bueno, apesar dele já não possuir mais o physique du rôle do personagem.
Bem, sempre digo que Bolívar Bueno é um anti-herói clássico e um personagem trágico de Ésquilo. Afinal, atrai para si a fatalidade, porque ela é uma vontade dos deuses, segundo o grego...
O segundo personagem que elaborei foi o clássico reverendo Otto Stockhausen, o severo e obtuso diretor do Wolfgang Schubert. Para o seu papel, imaginava um Ítalo Rossi...
Oto deveria ser o antagonista. Seria o representante do outro lado da moeda: a castradora direita da época... Contudo, Stockhausen fugiu-me ao controle e o construí quase como uma caricatura dele mesmo.
Finalmente, confesso que sem grande necessidade de pesquisa, resolvi ambientar a peça nos anos 30.
Sabia que se queria criticar a ideologia vigente nos anos 80, teria que sublimar ou a censura mutilaria o texto. 
Assim arrisquei, mostrando os conflitos entre a esquerda e a direita nos idos de 80, transportando-os para a Era Vargas.
E não é que deu certo?
Lancei minha obra dramática, impressa pela Editora Shekinah, sem admoestação. E quando de sua estreia, em 1983, mesmo tendo menores nos papeis dos alunos, o texto não sofreu qualquer corte por parte do agente da polícia federal - responsável pela aprovação da obra escrita - e muito menos pelo censor visual indicado para avaliar o espetáculo no palco.
Durante duas décadas, a peça foi encenada esporadicamente e tornou-se a favorita de minha esposa, que sempre me cobrava que, dela, fizesse um romance.
Em 2003, decidi: transformaria A Escola numa novela literária! Mais o faria seguindo meus critérios! Não faria dos personagens o grande mote e sim da época histórica: os anos Vargas de 1932 a 1935, os menos avaliados pela historiografia moderna.
E que trabalho eu tive com a pesquisa!
Comecei com teses sobre o período – teses, muitas delas com dez da Banca examinadora de renomadas universidades! – e foi o caos.
Nunca em minha vida havia lido tantas asneiras, marcadas pela falta de fontes ou transcrições erradas das mesmas...
Fico cá pensando que muitos dos cursos de pós-graduação do país são comparáveis a um  fast-food: o aluno engorda, mais não ganha sustância, como dizia minha babá.
Claro que joguei fora todo aquele “rico material” que tinha em mãos, com exceção de um ou outro.
E lá fui eu para a velha e boa Biblioteca Nacional pesquisar em todos os jornais da época, dia a dia, o período no qual o romance seria ambientado.
Levei dois anos fazendo isso e mais um ano para redigir o A Escola. Finalmente, em 2007, o romance teve sua primeira edição pela Editora Espaço Jurídico – tiragem esta que, rapidamente, se esgotou.
E hoje, relançado pela Vieira e Lent, sinto orgulho quando vejo citações da obra, –  peça ou narrativa – em trabalhos ou resenhas sobre a época.
Encerro aqui esse post, mas não dou por esgotado minhas reminiscências sobre o A Escola – agora com o subtítulo onde está um, estão todos! Voltaremos, em breve, a falar sobre ela...

Publicado pela revista LEITURAS DA HISTÓRIA de junho de 2011